Discurso ao Presidente

Alocução proferida aquando da receção a Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, na escola CO Grandes-Communes, em Lancy (Genebra), a 11 de junho de 2024

Exmo Senhor Presidente da República.
Excelências.
caros alunos, caros colegas, compatriotas. 

Receber tão altas figuras da nação nesta escola não estava nas nossas expectativas. Isso muito nos regozija, ainda mais por acontecer quando se celebra o maior poeta da Língua Portuguesa",  também ele emigrante durante dezassete anos e que para ganhar  o pão dele de cada dia, teve vários empregos no Oriente.

Excelência!
Ouvimos, há momentos, o soneto de Luís de Camões pela voz da Andreia. Um poema que nos fala da mudança, da mudança dos tempos, das vontades, do ser, da confiança, da mudança imprevisível que só pode causar incompreensão, intranquilidade, desassossego. Enfim, um soneto de uma atualidade intrigante quando damos connosco a cogitar sob a imprevisibilidade do nosso tempo.

Teríamos tanta coisa para partilhar com V. Exa. mas não é o tempo e não haveria certamente tempo assaz para o fazer.

Gostaríamos de partilhar com V. Exa. o nosso sentir, o que nos anima e desanima e o caminhar de uma comunidade portuguesa composta de homens e mulheres que neste país, entre dificuldades e vitórias, carregaram e carregam consigo as suas histórias, a sua cultura e os seus sonhos, enriquecendo a tapeçaria da sociedade de acolhimento, ao mesmo tempo que foram apreendendo e compreendendo o mundo para além das fronteiras nacionais, promovendo a empatia, a tolerância e a interligação.

Gostaríamos de partilhar com V. Exa. reflexões sobre a mudança dos tempos e das vontades da comunidade portuguesa na Suíça, do que foi e do caminho feito para ser o que é hoje. Das dificuldades e dos sucessos. 
Das turbulências do passado.
Da consideração que os compatriotas têm por este país e que este país tem por eles.
De como os emigrantes não se sentem expatriados e os expatriados não se sentem emigrantes. 
De como a Easyjet democratizou o acesso a viagens entre a Suíça e Portugal, de como isso mudou a vida dos portugueses, de como sentimos deste lado a adesão à CEE, da importância para nós todos dos acordos de livre circulação entre a UE e a Suíça.
De como os nossos jovens encontraram o elevador social, de como a formação profissional é um pilar basilar do desenvolvimento económico deste país e não uma formação menor como muitas vezes o ouvimos, injustamente. 
Da importância da introdução do português no ensino secundário suíço.
Da agitação, da turbulência do ensino de Português na Suíça ao longo dos anos, particularmente na viragem do século, dos jovens que temos e dos alunos que encontramos semana após semana, e dos professores, do seu desassossego no passado e no presente, e ainda de como alguma comunicação social, às vezes, mesmo a das comunidades, tem olhado para estes assuntos com alguma ligeireza.
Alguém disse que a maior descoberta da viagem à Lua foi a Terra. Sem viagem não há descoberta, apenas impressões de descoberta e tendência para uma visão umbilical do mundo.
E das vontades, claro. Da vontade de regresso hipotecado também pela frequente  imprevisibilidade que a meu ver caracteriza a “ocidental praia lusitana”, no canto do poeta.

Ser emigrante é uma viagem cheia de desafios mas também de oportunidades, é a ocasião de se abrir a novas culturas, de desenvolver a resiliência, de encontrar o seu espaço no seio de uma comunidade diferente. 

Ao longo das décadas, neste país, os portugueses souberam encontrar um equilíbrio entre a sua cultura de origem e a cultura/as culturas encontradas neste país.
E mesmo longe da Pátria-Mãe, os emigrantes sublimaram e sublimam superiormente o sentimento  profundo do SER português, um ser que se foi metamorfoseando na sua peregrinação migrante  e adquiriu uma identidade que é uma arquitetura complexa de origens e de experiências de vida, previsíveis e imprevisíveis, nesta helvécia que apreciam e lhes deu e tem dado tanto, em troca do seu savoir-faire e do seu suor.

Finalmente, gostaríamos de ter mais tempo de lhe falar da mudança da confiança, um dos pilares da coesão social e do desenvolvimento harmonioso da sociedade. Confiança no presente, confiança no futuro, confiança em quem desenha o amanhã, confiança na alteridade. Ou ainda da liberdade individual e da responsabilidade coletiva, da efetiva liberdade de expressão, da predisposição para respeitar as opiniões do outro, excluindo a exclusão, da conflitualidade e mesmo do ódio, da visão de um  mundo a preto e branco, em que campos percecionados como sendo o bem e o mal se gladiam alimentando a fragmentação e desarmonia social.

Lembrando Jean-Jacques Rousseau e o seu Contrat social, a paz social passará pela vontade, ó quanto desafiadora e difícil, de “integrar os interesses de todos na determinação do interesse comum”.
Só assim caminharemos para uma sociedade verdadeiramente democrática, participativa, para o desenvolvimento do espírito crítico e das habilidades socioemocionais de uma geração que devia ser a geração da mundialização feliz e se vem convertendo na geração da mundialização infeliz. Citando alguém, “tanto se fala da necessidade de deixar um planeta melhor para os nossos filhos e esquece-se a urgência de deixarmos filhos melhores para o nosso planeta”.

Confúcio, filósofo chinês, dizia :“Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha”. 
É isso que têm feito os portugueses em terras helvéticas e os professores de português nas salas de aula com os seus alunos, buscando o aprimoramento constante e usando as competências específicas acumuladas pela formação e prática pedagógica, incluindo as digitais, levando a sério a sua missão de educadores do futuro.

Excelência
A vinda de V. Ex.ª, de V. Exas é para todos nós uma grande honra e um momento especial. É-o pois só acontece a alguns privilegiados, e só uma vez na vida. Tudo o que é raro é sempre mais valioso!
Como no-lo poderia sugerir o grande pensador e humanista genebrino já referido, e se bem que o trilho da felicidade seja tantas vezes íngreme e inóspito, resta-me evocar a responsabilidade de cada um e de todos na busca da felicidade e do bem-estar comum, “esteja-se onde se estiver”.

Álvaro Oliveira
Prof EPE (Genebra)